Foi poeta, escritor, ensaísta, jornalista,professor e funcionário das alfândegas. Masacima de tudo foi um revolucionário. Numa altura em que é já iminente a oficializaçãodo crioulo, surge agora em obras do Institutoda Biblioteca Nacional e do Livro(IBNL) e do antropólogo Manuel Brito-Semedo um Pedro Cardoso revalorizado.Traz-se, assim, novamente para a luz do dia,um dos primeiros grandes activistas da línguae da cultura cabo-verdianas.Nasceu no Fogo em 1890, mas logo oseu pensamento extrapolou a ilha do vulcão,envolvendo-se numa relação dual comas ilhas e com o universo do imenso continenteafricano. Movendo-se nessa alternânciae complementaridade de mundos, opoeta pré-claridoso Pedro Cardoso crioudurante os 52 anos da sua vida, uma obramarcada pela liberdade e pela exaltação daidentidade crioula como entidade culturalindependente e autónoma. Uma atitude deruptura com o Portugal colonial, assente nautilização da língua materna e na redefiniçãodo bilinguismo.Pedro Cardoso colocou, desta forma, ocrioulo e português em consonância e empé de igualdade. No fundo, esta atitude eraum reflexo da ideologia maior deste poeta,que definia a relação entre Cabo Verde e Portugal com base num sistema sem patrõesnem subordinados. Numa altura em queestavam ainda em fermentação os movimentosque viriam a determinar o fim doimpério luso, este pensamento era deverasarrojado e inovador. Motivo mais que suficientepara alguns confrontos com as entidadescoloniais de então, atentas a qualquerassomo de sentimentos nacionalistas.No entanto, Pedro Cardoso não teriapretensões de cortar de uma forma extremaas relações de Cabo Verde com a “transpátriaportuguesa”, como nota José LuísHopffer Almada, num ensaio publicado recentementeno Kriolidadi, sobre os grandespoetas cabo-verdianos. A sua obra eideologia procurariam antes redireccionaras ilhas para o seu interior cultural e social,também ele fruto de uma mistura entremundos. Uma introspecção que, pouco apouco, delineasse uma autonomia social ecultural em relação à antiga metrópole.Esta atitude de autonomização e da valorizaçãodo crioulo marca transversalmentea obra do autor. Para o também poetaFilinto Elísio, Pedro Cardoso foi uma dasfiguras máximas desse período “nativistae romântico das letras cabo-verdianas”.“Jardim das Hespérides”, “Folclore Cabo-Verdiano” e “Lírios e Cravos” foram algunsdos livros assinados pelo autor, que escolheucomo pseudónimo o denunciadornome “Afro”. Este amor e admiração pelocontinente negro estiveram também na basedos seus trabalhos em torno das civiliza-PEDRO CARDOSOUm revolucionário na cabo-verdianidadeções africanas, como o antigo Egipto.Para além da actividade literária, PedroCardoso era também jornalista, desempenhandofunções de colaborador na revista“Mocidade Africana” e de chefia de redacçãoe cronista do “A Voz de Cabo Verde”.As trinta e três crónicas de intervençãosocial e política escritas para este jornal nasecção “A Manduco” foram já compiladase organizadas pelo antropólogo ManuelBrito-Semedo, num livro finalizado em2003, entregue à Spleen Edições e queaguarda desde então por financiamento. O“A Manduco - Crónicas de Pedro Cardoson’A voz de Cabo Verde (1911-14)” é, destaforma, composto pelos textos escritos poraquele homem das letras ao longo dos trêsanos em que manteve o espaço de crónicas,e por notas de Semedo-Brito sobre osmesmos. Como conta o antropólogo, duranteeste período a pena de Pedro Cardoso“zurziu e alimentou polémica” sobre assuntosdiversos como a arborização, o analfabetismoou questões da raça negra e da autonomiadas ilhas.Na sequência do trabalho como cronistano “A Voz de Cabo Verde”, Pedro Cardosoco-fundou e foi proprietário da revistatambém ela intitulada, nada mais nada menos,que “Manduco”. Esta publicação seguiaa mesma linha crítica iniciada no jornale, como o próprio nome indica, pretendiatrazer mãos à palmatória. Acima detudo, era mais um veículo acutilante encontradopor Pedro Cardoso para exprimir edifundir as suas profundas convicções.É neste contexto que surge mais umaobra sobre este homem das letras, agora pelamão do IBNL e do Ministério da Cultura.Com o nome “Manduco”, segundo umainformação veiculada no blog “Lantuna”,o livro pretende reeditar as duas ediçõesdaquela revista. Para além desta súmula, aobra integrará também um ensaio sobre avida e obra de Pedro Cardoso, da responsabilidadede Filinto Elísio. Um poeta paraquem “é preciso desmistificar e dizer claramenteque o arranque da cabo-verdianidadecomo movimento fixou-se antes dosclaridosos, com autores como Pedro Cardosoou Eugénio Tavares”.Ainda sem data de lançamento marcada,o “Manduco”, integra-se nas comemoraçõesdos trinta anos da independência eenquadra-se no objectivo maior do Ministérioda Cultura de resgatar os grandes clássicosda literatura cabo-verdiana. Aindadurante este ano, será editada uma obra sobreJosé Lopes, para além dos lançamentosde uma enciclopédia da cultura cabo-verdiana,em 12 de Setembro, e do primeirodicionário crioulo/português previsto paraNovembro. Está também em forja a reediçãoda “História das Ilhas de Cabo Verde”,de Daniel Pereira.
by Pedro Miguel Cardoso in A Semana de 6 de Mai. 2005
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